“[...] A mim parece que estou tentando
contar-lhes um sonho – em vão, porque nenhum relato de sonho sabe transmitir a
sensação do sonho, aquela amálgama de absurdo, surpresa e admiração no tremor
de quem se debate, aquela impressão de ter sido capturado pelo inacreditável,
que é a própria essência dos sonhos. [...]”.
Trecho extraído do livro “Coração das
Trevas”, de Joseph Conrad.
É com nostálgica alegria que eu saúdo
nesta noite a mesa diretora, composta pelo diretor, Frei Alberto Eckel Junior,
pelo presidente, Mateus de Oliveira, pelo secretário, Odirlei Luiz Possa Fante
e estendo minhas cordiais estimas e saudações a todos os Aspirantes,
Seminaristas e Frades aqui presentes, em especial, Frei Robson Luiz Scudela e
Frei Elias Dalla Rosa.
Hoje venho vos falar de um tema tão
fascinante, quanto misterioso e enigmático, os Sonhos. Afinal, de onde se
originam essas ilusões noturnas que preenchem nosso sono? Haveria alguma
finalidade para elas? Qual a verdadeira razão delas existirem?
Para uma melhor compreensão de minha
prédica, dividi-la-ei em quatro tópicos, a saber:
- Uma problematização histórica e
literária dos sonhos na história da humanidade;
- A origem e fonte dos sonhos e
pesadelos;
- A teoria freudiana do sonhar;
E por último abordo, como curiosidade,
um fenômeno recém-explorado, os Sonhos Lúcidos.
Acrescento ainda uma breve consideração
explicativa sobre o termo “onírico”, que designa tudo aquilo relativo aos
sonhos e que eu empregarei como um sinônimo em meu discurso.
Dito isso, vamos à prédica.
Discorro inicialmente sobre a
compreensão etiológica dos sonhos ao longo da história, a começar pela visão
pré-histórica herdada pelos povos da Antiguidade Clássica, que relacionavam o
sonho com o mundo dos seres sobrenaturais e constituía revelações de anjos e
demônios, além de predizerem o futuro.
Todavia, obras de Aristóteles, como o
“Tratado sobre a Alma”, já versavam sobre os sonhos como objeto de estudo
psicológico, definindo-os como a atividade de quem dorme, na medida em que
esteja adormecido e podemos encontrar nessas obras, antecipações das mais
audazes teorias freudianas. Já para os gregos, os sonhos eram uma dádiva de
Prometeu, um titã afeiçoado aos homens que, segundo a mitologia, além de doar a
eles o fogo roubado dos deuses, doa também as formas das artes divinatórias, a
esperança e os sonhos. Existiu ainda uma classificação dos sonhos por Macróbio
e Artemidoro, que persistiu durante séculos e dividiam os sonhos em duas
classes, uma influenciada pelo presente ou pelo passado, outra supostamente
previa o futuro e era passível de interpretação. Neste ponto, o trabalho de
interpretação ambicionava importantes consequências, mas nem todos eram
imediatamente compreensíveis, levando à necessidade de se criar um método,
mediante o qual o conteúdo ininteligível de um sonho pudesse ser substituído
por outro compreensível e significativo.
Na literatura, encontramos, por exemplo,
na Bíblia, relatos primitivos de sonhos, como em Gênesis, os sonhos do faraó,
interpretados por José, que revelaram ser uma profecia de sete anos de fome nas
terras do Egito. Temos aí uma interpretação simbólica. Outro método de
decifração pode ser descrito como o “método da decifração”, que trata o sonho
como uma espécie de criptografia recheada de signos que podem ser substituídos
por outros signos de significado conhecido, de acordo com um código fixo. Ambos
os métodos são insuficientes quando se defrontam com sonhos incompreensíveis e
confusos. Ainda no campo literário, a temática dos sonhos é amplamente
retratada e discutida por incontáveis autores de diversas épocas, como
Shakespeare, Homero, Cícero, Schopenhauer, Bion, Foucault, Nietzsche, Jung,
entre vários outros que enfatizaram a vital importância dos sonhos, como
menciona Burdach, que sem eles, por certo envelheceríamos mais cedo.
Em 1899, o tema dos sonhos ganhou um
novo enfoque com a revolucionária e absolutamente inédita obra de Sigmund
Freud, “A Interpretação dos Sonhos”, na qual ele propõe uma teoria inovadora do
aparelho psíquico, descrevendo os fundamentos da clínica psicanalítica, tudo
isso a partir da análise e estudo dos sonhos, a manifestação psíquica
inconsciente por excelência, o que me faz entrar no meu segundo tópico, já
guiado sobre a ótica freudiana: A origem e fonte dos sonhos e pesadelos.
Primeiramente, é importante ressaltar
que todos sonham, todos os dias, diversas vezes por noite, uma média de 3 a 7
sonhos diários com duração aproximada de 5 a 20 minuto. Uma pessoa passa em
média 6 anos de sua vida sonhando e de acordo com estimativas, 95% dos nossos
sonhos são esquecidos quando despertamos, pois as mudanças que ocorrem em nosso
cérebro durante a noite sobrecarregam nossa memória, mas também depende da
intensidade, da singularidade e do interesse mental em guarda-los.
Análises cerebrais de pessoas
adormecidas mostram que o lobo frontal região-chave na formação da memória está
inativo durante a fase REM do sono, na qual ocorrem os sonhos mais vívidos e
também a paralização total dos músculos voluntários e pesquisas apontam que até
os animais sonham. Mas afinal, qual a origem e fonte dos sonhos?
Uma das hipóteses evolutivas mais
aceitas afirma que eles nos proporcionam experiências de vida por vezes muito
valiosa, sem nos expor a possíveis riscos; também servem para descarregar o
excesso de informações e resíduos que deixaram de ser importantes e ainda outra
hipótese indica que o sonho é importante para a reativação de determinados
circuitos cerebrais.
O conteúdo onírico, por sua vez, provém
primariamente da vida de vigília, ou seja, do estado de quando estamos
acordados e das influências que se absorvem inconscientemente desse período,
principalmente do dia anterior e a origem desse material se disponibiliza das
memórias e lembranças inacessíveis na vigília. Já os pesadelos, pressupõem a
ativação do sistema nervoso autômico simultaneamente com o conteúdo de um sonho
desagradável para aquela pessoa em particular. Não é, portanto, o sistema
nervoso atuante, mas a carga emocional que faz acordar e quanto mais intensa e
traumática a informação, maior a probabilidade de ser incorporada ao universo
dos sonhos por determinado período.
Esses estímulos e fontes são inúmeros e
dentre eles podemos citar, as Excitações sensoriais internas (subjetivas), como
as alucinações hipnagógicas, ou “fenômenos visuais imaginativos” e os Estímulos
somáticos orgânicos internos, como sensações musculares, respiratórias,
gástricas, sexuais etc. Há ainda autores como Havellock Ellis, Strümpell, Binz,
Hildebrandt e inclusive Freud, que compartilham da ideia que os sonhos extraem
seus elementos dos detalhes casuais e insignificantes, dos fragmentos se,
valor, daquilo que se vivenciou recentemente ou do passado mais remoto para
compor o seu conteúdo.
Entro agora no meu terceiro tópico, a
Teoria Freudiana do Sonhar, apresentando antes, duas teorias interessantes que
abordam a natureza dos sonhos de forma peculiar. Primeiro, para o filósofo
Heidegger, o sonho é a extensão da vigília e seu conteúdo é formado por
elementos que devem ser resolvidos no próprio estado desperto, como se
assemelha a ótica da gestlat-terapia, para a qual os sonhos são gerados com a
função de externalizar conflitos e o alienamento do sonhador.
Na análise psicanalítica freudiana, os
sonhos são constituídos para possibilitar uma gratificação parcial das pulsões
do Id, por meio da descarga consciente das mesmas, concluindo que todo sonho,
invariavelmente é a realização de um desejo com as diversas implicações
psíquicas a ele associadas, especialmente os desejos sexuais, realizados de
forma velada e simbólica.
Seus mecanismos de formação, por sua
vez, constituem-se na Distorção, que expressa os pensamentos oníricos de forma
alterada, no Trabalho de Condensação (em vez de dois elementos, um único
elemento intermediário, comum a ambos penetra no sonho), no Trabalho de
Deslocamento (substituição de alguma representação específica por outra
extremamente associada a ela em algum aspecto) e ainda na Elaboração
Secundária, que procura configurar o material que lhe é oferecido a algo semelhante
a um devaneio, ou seja, pretende torna-lo racional e lógico. Por fim, seu
método de interpretação propriamente dito é denominado “Livre-associação”, pelo
qual se decompõem os elementos do conteúdo onírico e distingue-os em “conteúdo
manifesto” (aquilo que foi sonhado) e “conteúdo latente” (o seu significado) a
ser interpretado, que implica em representações simbólicas, inibição dos
afetos, hipermnésia, traumas, impressões da infância, regressão, recalque,
doenças mentais etc. E conclui que não existem “sonhos inocentes”, pois todos
têm um fundo sexual e ainda que os sonhos são os “guardiões do sono” e tem a
função de prolonga-lo e não perturbá-lo.
Contudo, com relação a possíveis
corroborações das abordagens psicológicas com a neurociência, apenas foram abarcadas
e apoiadas algumas visões de Freud que podem ser empiricamente demonstradas.
Chego assim ao meu quarto e último
tópico de curiosidade sobre os Sonhos Lúcidos. Podemos defini-lo inicialmente
como o ato de acessar o estado mental dos sonhos, com a capacidade de reflexão
e a consciência de que aquela experiência é meramente um sonho próprio, ou
seja, um estado mental dissociado, sustentado pela estrutura da fase REM do
sono, na qual se equivale a outros estados híbridos do cérebro, como a
paralisia do sono, alucinações hipnagógicas etc. e pode ser uma consequência
evolutiva.
Pesquisas do Instituto Max Plank, na
Alemanha, através de exames de Ressonância Magnética, encefalogramas e
mapeamento de imagens durante os sonhos lúcidos, descobriram que estes desencadeiam
padrões de atividades em regiões específicas do cérebro, ocorrendo um aumento
da atividade e capacidade cognitiva junto ao lobo parietal, resultando na
capacidade de memória dos sonhadores lúcidos. Um estudo de 1988 descobriu ainda
que 20% das pessoas afirmam ter sonhos lúcidos todo mês e outros 50% disseram
já ter tido um sonho assim pelo menos uma vez, ou seja, já conseguiram acessar
o cérebro num estado diferente da vigília, um fenômeno que pode apontar uma
nova fronteira no estudo dos sonhos, da memória e da consciência.
Encerrada minha explanação teórica,
apresento agora como ação concreta para a Assembleia, técnica para se
experimentar um sonho lúcido:
- Primeiro: mantenha um “diário de
sonhos”, anote pelo menos um sonho por dia para exercitar sua memória dos
sonhos, permitindo sua mente sensibilizar-se como o reconhecimento daquela
realidade;
- Segundo: escolha um método. Existem
vários, porém, indico aqui o método do “Sonho Lúcido induzido mnemonicamente”;
funciona deste modo: quando estiver quase dormindo, comece a pensar que você
está começando
a ficar lúcido. A ideia é reforçar a intenção de perceber que você está
dormindo no seu sonho e repita a frase; “Eu vou ter um sonho lúcido esta
noite.” As maiores chances de acontecer são quando você acorda no meio da
noite, levanta por alguns minutos e volta a dormir com essas intenções e você
terá sucesso.
-
E por último: cheque a realidade, mantenha sua mente atenta enquanto adormece;
ligue e desligue interruptores, olhe para as mãos, observe-se em espelhos, olhe
as horas num relógio etc. e então, com essas práticas, você poderá ser capaz de
ter um sonho lúcido.
Encerro
assim minha prédica, citando as fontes utilizadas por mim, a saber: o livro “A
Interpretação dos Sonhos”, de Sigmund Freud, o artigo “Os Sonhos e a
literatura: Mundo Grego”, de Adélia Bezerra de Menezes, o artigo, “Os sonhos
nas diversas abordagens psicológicas: apontamentos para uma prática
psicoterápica”, de vários autores e o site Galileu, sobre “A ciência dos Sonhos
Lúcidos” e cito por fim um trecho de “O Mundo como Vontade e Representação”, de
Schopenhauer:
"A vida e os sonhos são folhas de
um livro único: a leitura seguida dessas páginas, é aquilo a que se chama a
vida real; mas quando o tempo habitual da leitura (o dia) passou e chegou a
hora do repouso, continuamos a folhear negligentemente o livro, abrindo-o ao
acaso em tal ou tal local e caindo tanto numa página já lida como sobre uma que
não conhecíamos, mas é sempre o mesmo livro que lemos [...]”.
Obrigado pela atenção e boa noite!
Agremiado Aspirante - Cássio Jardim Nogueira Cobra
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