28 abril, 2014

Discurso sobre a "Paixão e Ressurreição de Jesus"

No domingo da Páscoa, em sessão solene, o presidente do Grêmio Literário, Gabriel Luiz Martinelli, discursou sobre o momento da Paixão e o significado da ressurreição para o cristão. Confira seu discurso!



"A cruz lembra dor, mas reforça a certeza da vitória".
(Frei Alvaci Mendes da Luz)

Saúdo com estima meus colegas de Mesa Diretora, o diretor, Frei Rodrigo da Silva Santos; e o secretário, Odilon Voss. Também quero estender minha saudação a todos que aqui se fizeram presentes: agremiados, seminaristas, ao Frei Gilberto da Silva e ao Frei Anselmo Julio München.

Hoje, dia 20 de abril, celebramos a festa máxima de nosso ano litúrgico e a principal movimentação da fé cristã: a ressurreição de Cristo. Esse que viveu há, aproximadamente, dois mil anos atrás e sacrificou-se pela nossa salvação. Sozinho carregou nos ombros o peso dos pecados do mundo. "Humilhou-se e foi exaltado". Que não recebeu o devido respeito em seu tempo. Foi, e sempre será, um grande liturgo, a serviço da comunidade.

Deste modo, proponho-me a falar-vos sobre o Cristo, focando principalmente em sua paixão e ressurreição. Para melhor compreender esses acontecimentos, devemos estar conscientes do contexto histórico a qual Jesus estava inserido.

Yeshua bar Josef (Jesus, filho de José). Nesse período, era comum de que se conhecendo o grupo familiar proveniente e que povoado pertencia, já sabia-se muito sobre a pessoa. A identidade de uma pessoa provém do grupo, nessa cultura.

Todo o território da Galileia era dominado pelo Império Romano e todos os habitantes deviam se submeter ao imperador, caso contrário, eram executados. Nessa região (o império), viviam cerca de 50 milhões de pessoas e Jesus era apenas mais um em meio a milhões.

Como o Império Romano tinha grande extensão, era dividido em pequenos territórios, controlados por pessoas de confiança de Roma. Nesse caso, Herodes, o Grande, um governador sanguinário que matou membros de sua família por apresentarem perigo à sua soberania. Jesus não chegou a conhecê-lo, mas, provavelmente, ouviu histórias sobre seus atos mais terríveis.

Além disso, a região da Galileia era uma sociedade totalmente agrária, visada na produção agrícola, tanto que nenhum pedaço de terra era descartado para o plantio.

Sendo assim, já compreendemos onde Jesus vivia e alguns dos motivos pelo qual foi posteriormente condenado. Entramos definitivamente nos acontecimentos anteriores à sua morte, tendo como ponto de partida a Última Ceia.

Jesus sabe que suas horas estão contadas. Poderia ter se escondido, ou até mesmo fugido. Porém, o que ele fez? Organizou uma ceia especial de despedida com seus amigos. Teve como intuito prepará-los para um golpe tão duro: a sua execução não devia mergulhá-los na tristeza ou no desespero.

Não foi uma ceia costumeira. O seu sentido foi solene. A oração proclamada por Jesus foi marcante. Ao pegar o pão diz: "Isto é meu corpo..." Já instituiu um novo caráter a essa ceia. E reforçou com as palavras sobre o vinho: "Esta taça é a nova aliança em meu sangue." Como aqueles que ouviram pela primeira vez essas palavras de Jesus reagiram?

Foi assim a despedida de Jesus, que ficou marcada para sempre na comunidade cristã e nos mostrou uma forma de sempre reproduzir sua presença viva da última vez que partiu o pão na representação daquela ceia. Podemos sentir sua ausência sabendo disso?

Pouco após essa despedida teve somente alguns momentos de liberdade. Por volta da meia-noite, foi capturado pelos soldados do Templo num horto onde rezava. Foi colocado perante o povo para que fizesse seu julgamento. Foi condenado à morte por crucificação e seguiu carregando sua cruz, feita de madeira, mas com o peso de chumbo, o peso de nossos pecados.

E para melhor vos passar esse acontecimento pré-crucificação de Jesus, usarei em um primeiro momento uma passagem bíblica e em um segundo momento fragmentos de um livro intitulado "A paixão de Cristo segundo um cirurgião", de Dr. Piérre Barbet, cirurgião francês que se dedicou durante 25 anos no estudo da paixão de Cristo.
________________________________

Do Evangelho de Lucas (24,44): "E cheio de angústia orava com mais insistência. Seu suor tornou-se como gotas de sangue caindo por terra".

Segundo Dr. Piérre Barbet: "O único evangelista que relata o fato é um médico, Lucas, e o faz com a decisão de um clínico. O suar sangue, ou "hematidrose", é um fenômeno raríssimo. É produzido em condições excepcionais: para provocá-lo é necessário uma fraqueza física, acompanhada de um abatimento moral violento causado por uma profunda emoção, por um grande medo. O terror, o susto, a angústia terrível de sentir-se carregando todos os pecados dos homens devem ter esmagado Jesus. Tal tensão extrema produziu o rompimento das finíssimas veias capilares que estão sob as glândulas sudoríparas; o sangue se mistura ao suor e se concentra sobre a pele, e então escorre por todo o corpo até a terra".
________________________________

Do Evangelho de Marcos (15,14-15): "Pilatos, porém, perguntou: 'Mas que mal fez ele?' Eles gritaram mais forte ainda: 'Crucifica-o!' Pilatos, querendo agradar o povo, soltou-lhes Barrabás. Quanto a Jesus, depois de tê-lo mandado açoitar entregou-o para ser crucificado".

Segundo Dr. Piérre Barbet: "Conhecemos a farsa do processo preparado pelo Sinédrio hebraico, o envio de Jesus a Pilatos e o desempate entre o procurador romano e Herodes. Pilatos cede, e então ordena a flagelação de Jesus. Os soldados despojam Jesus e o prendem pelo pulso a uma coluna do pátio. A flagelação se efetua com tiras de couro múltiplas sobre as quais são fixadas bolinhas de chumbo e de pequenos ossos.

Os carrascos devem ter sido dois, um de cada lado, e de diferente estatura. Golpeiam com chibatadas a pele, já alterada por milhões de microscópicas hemorragias do suor de sangue. A pele se dilacera e se rompe; o sangue espirra. A cada golpe, Jesus reage em um sobressalto de dor. As forças se esvaem; um suor frio lhe impregna a fronte, a cabeça gira em uma vertigem de náusea, calafrios lhe correm ao longo das costas. Se não estivesse preso no alto pelos pulsos cairia em uma poça de sangue".
________________________________

Do Evangelho de Marcos (15,17-19): "Vestiram-lhe um manto de púrpura e o coroaram com uma coroa tecida de espinhos. E começaram a saudá-lo: 'Salve, rei dos judeus'. Batiam-lhe na cabeça com uma vara, cuspiam nele e curvaram o joelho para reverenciá-lo".

Segundo Dr. Piérre Barbet: "Depois o escárnio da coroação. Com longos espinhos, mais duros que os de acácia, os algozes entrelaçam uma espécie de capacete e o aplicam sobre a cabeça. Os espinhos penetram no couro cabeludo fazendo-o sangrar (os cirurgiões sabem o quanto sangra o couro cabeludo). Pilatos, depois de ter mostrado aquele homem dilacerado à multidão feroz, entrega-O para ser crucificado. Colocam sobre os ombros de Jesus o grande braço horizontal da Cruz; pesa uns cinquenta quilos... A estaca vertical já está plantada sobre o Calvário".
________________________________

Do Evangelho de Marcos (15,20b-26): "Depois o conduziram para fora a fim de o crucificarem. Para carregar a cruz, requisitaram um certo Simão de Cirene, pai de Alexandre e Rufo, que vinha da lavoura. Levaram Jesus a um lugar chamado Gólgota. Ofereceram-lhe vinho misturado com mirra, mas ele não bebeu. Assim que o crucificaram, repartiram entre si as suas vestes, tiraram a sorte para saber o que cada um levaria. Eram nove horas da manhã quando o crucificaram. A inscrição com o motivo de sua condenação dizia: 'O rei dos judeus'".

Segundo Dr. Piérre Barbet: "Jesus caminha com os pés descalços pelas ruas de terreno irregular, cheias de pedregulhos. Os soldados o puxam com as cordas. O percurso é de cerca de 600 metros; Jesus, fatigado, arrasta um pé após o outro, frequentemente cai sobre os joelhos e os ombros de Jesus estão cobertos de chagas. Quando ele cai por terra, a viga lhe escapa, escorrega, e lhe esfola o dorso. Sobre o Calvário tem início a crucificação. Os carrascos despojam o condenado, a sua túnica está colada nas chagas e tirá-la produz dor atroz. Quem já tirou uma atadura de gaze de uma grande ferida sabe do que se trata. Cada fio de tecido adere à carne viva: ao levarem a túnica, se laceram as terminações nervosas postas em descoberto pelas chagas. Os carrascos dão um puxão violento. Há um risco de toda aquela dor provocar uma síncope, mas ainda não é o fim.

O sangue começa a escorrer; Jesus é deitado de costas; as suas chagas se incrustam de pó e pedregulhos. Depositam-no sobre o braço horizontal da cruz. Os algozes tomam as medidas. Com uma broca, é feito um furo na madeira para facilitar a penetração dos pregos. Os carrascos pegam um prego (um longo prego pontudo e quadrado), apoiam-no sobre o pulso de Jesus, com um golpe certeiro de martelo o plantam e o rebatem sobre a madeira. Jesus deve ter contraído o rosto assustadoramente. O nervo mediano foi lesado.

Pode-se imaginar aquilo que Jesus deve ter provado; uma dor lancinante, agudíssima, que se difundiu pelos dedos, e espalhou-se pelos ombros, atingindo o cérebro. A dor mais insuportável que um homem pode provar, ou seja, aquela produzida pela lesão dos grandes troncos nervosos: provoca uma síncope e faz perder a consciência. Em Jesus não. O nervo é destruído só em parte: a lesão do tronco nervoso permanece em contato com o prego; quando o corpo for suspenso na cruz, o nervo se esticará fortemente como uma corda de violino esticada sobre a cravelha. A cada solavanco, a cada movimento, vibrará despertando dores dilacerantes. Um suplício que durará três horas.

O carrasco e seu ajudante empunham a extremidade da trava; elevam Jesus, colocando-o primeiro sentado e depois em pé; consequentemente fazendo-o tombar para trás, o encostam na estaca vertical. Depois, rapidamente encaixam o braço horizontal da cruz sobre a estaca vertical. Os ombros da vítima esfregam dolorosamente sobre a madeira áspera. As pontas cortantes da grande coroa de espinhos penetram o crânio. A cabeça de Jesus inclina-se para frente, uma vez que o diâmetro da coroa o impele de apoiar-se na madeira".
________________________________

Do Evangelho de Marcos (15,36): "Um deles foi correndo embeber uma esponja em vinagre, colocou-a na ponta de uma vara e deu-lhe de beber".

Segundo Dr. Piérre Barbet: "A respiração se faz, pouco a pouco mais curta. O ar entra com um sibilo, mas não consegue mais sair. Jesus respira com o ápice dos pulmões. Tem sede de ar: com um asmático em plena crise, seu rosto pálido pouco a pouco se torna vermelho, depois se transforma num violeta púrpuro e, enfim, em cianítico. Jesus é envolvido pela asfixia. Os pulmões cheios de ar não podem mais se esvaziar. A fronte está impregnada de suor, os olhos saem fora de órbita. Mas o que acontece? Lentamente com um esforço sobre-humano, Jesus toma um ponto de apoio sobre o prego dos pés. Esforça-se a pequenos golpes, se eleva aliviando a tração dos braços. Os músculos do tórax se distende. A respiração torna-se mais ampla e profunda, os pulmões se esvaziam e o rosto recupera a palidez inicial.

Por que este esforço? Porque Jesus quer falar: 'Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem'. Logo em seguida o corpo começa a afrouxar-se de novo, e a asfixia recomeça. Foram transmitidas sete frases pronunciadas por ele na cruz: cada vez que quer falar, deverá elevar-se tendo como apoio o prego dos pés. Inimaginável!

Atraídas pelo sangue que ainda escorre e pelo coagulado, enxames de moscas zunem ao redor do seu corpo, mas ele não pode enxotá-las. Pouco depois o céu escurece, o sol se esconde: de repente a temperatura diminui. Logo serão três da tarde, depois de uma tortura que dura três horas, todas as suas dores, a sede, as cãibras, a asfixia, o latejar dos nervos medianos lhe arrancam um lamento: 'Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?' Jesus grita: 'Tudo está consumado!'. Em seguida num grande brado diz: 'Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito'. E morre..."
________________________________

Esse texto do cirurgião me chamou muito a atenção desde a primeira vez que o li. Fala de uma forma tão detalhada e com termos que aproximam de nossa realidade, fazendo com que compreendamos melhor o que Jesus sofreu.

Agora, depois de falar-vos sobre o contexto que Jesus estava inserido, sua prisão e sua paixão, irei vos falar sobre o ápice de nossa fé: a ressurreição do Salvador.

Todos nós estamos cientes do que ocorreu: três dias depois da morte, as mulheres foram ao sepulcro e o encontraram vazio. Conhecemos muito bem essa narrativa citada nos Evangelhos. Entretanto... o que essa ressurreição nos representa? Ou melhor, como podemos vivenciar a ressurreição de Cristo e até a nossa própria ressurreição diária?

Jesus se sacrificou por nossos pecados e ressuscitou, instituindo, assim, um novo significado à festa da Páscoa. Essa festa representava a libertação da escravidão e início da liberdade após transpor o Mar Vermelho a pé enxuto. Com a ressurreição, surgiu o conceito da nova aliança e o sentido da festa transformou-se para a libertação da opressão do pecado da morte para o júbilo da vida, da salvação.

E quanto a nossa ressurreição diária? No texto "A experiência do túmulo vazio", de José Acácio Santana, ele nos aponta isso: "Não desprezemos a ajuda externa. Entretanto, não cruzemos os braços jamais. Busquemos a força da vida, que mora em nós, rompamos todas as amarras e retiremos todas as pedras que nos impedem de atingir o amanhecer de uma vida nova. Façamos isso em nome de Jesus como os apóstolos!"

É assim que devemos viver! Aceitando a ajuda do próximo e se ajudando, querendo uma mudança. Se aceitarmos a ajuda e quisermos mudar, façamos em nome de Jesus e nossa ressurreição será inesquecível!

Estamos cientes do amor de Cristo, ele sacrificou-se para nos dar o exemplo. Saudemos nossos irmãos que estão no nosso lado. Um gesto simples, mas que exprime um carinho, um amor. E, principalmente, tentemos reconhecer neles o rosto de Cristo, nosso exemplo e inspiração.

Entretanto... Como viveremos ardentemente esse espírito pascal em nossa vida? Como iremos propagar essa alegria da ressurreição para as pessoas? E, voltando mais no tempo: e se Jesus não tivesse se sacrificado por nós? E se não tivesse ressuscitado? Será que seríamos felizes? E se não usasse mais as fichas para proferir o discurso?

E se, e se... perguntas muito fáceis de serem feitas. Porém difíceis de serem respondidas. Contudo, devemos nos questionar. Através do questionamento encontraremos o conhecimento.

Realmente seria muito complicado terminar o discurso sem o auxílio das fichas. Mas, como dizia Albert Einstein: "Sou louco, mas não bobo".

Como já citei todas as ideias que pensei e creio que cumpri o meu objetivo de trazer à tona uma reflexão sobre a paixão e ressurreição, encerro minha prédica com uma música muito conhecida e peço a colaboração de todos para cantá-la: "Deus enviou, seu Filho amado..."

Tenho dito e muito obrigado!

Por Gabriel Luiz Martinelli, seminarista do 3º ano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário